Cultivar a dúvida, mais do que curvar-se a respostas instantâneas, talvez seja a última fronteira da nossa inteligência orgânica
Se existe uma pergunta que atravessa o meu trabalho no último ano, é essa: o que ainda nos resta enquanto humanos diante de um mundo dominado pela inteligência artificial, pelos algoritmos, pelos filtros e pela estética das aparências? Talvez a resposta esteja, ironicamente, no riso. Ou, mais especificamente, em quem ainda tem coragem de fazer os outros rirem.
Foi esse o fio que conduziu minha conversa com Igor Guedes (Igorfina) — o comediante, imitador, músico, ex-professor de pilates e, segundo ele mesmo, “Lebron James de Niterói”. Igor é uma dessas figuras improváveis da internet brasileira: alguém que saiu da vida comum, da grana curta, do ônibus lotado, para ocupar um palco — real e digital — onde cabe de tudo. De Cortella a Cariani, de Galvão a Bambam, de Trump a Skylab.
E o mais interessante é perceber que o humor dele não nasce de um exercício racional ou de uma obsessão por técnica. O humor dele é sobrevivência. É cicatriz. É válvula de escape de uma vida que, como ele mesmo conta, já foi atravessada por abandono, dívidas, solidão, trampo mal pago, patrocinador que some, fé e uma boa dose de cara de pau.
Mas existe uma camada ainda mais profunda nesse papo: o humor como último território do que é intransferivelmente humano. Porque se hoje meu pai — Mario Sergio Cortella, aquele mesmo que você vê em meme, vídeo fake, inteligência artificial e dublagem — já virou matéria-prima para IA gerar frases que ele nunca disse, o que nos garante que o riso não vá pelo mesmo caminho?
Aliás, essa foi a provocação que trouxe pra mesa: se a IA pode fazer imitações, gerar vozes, criar roteiros… o humor é um lugar seguro ou também está na fila da automação? Spoiler: o que a gente conclui é que não existe algoritmo que replique o constrangimento do palco, a vaia inesperada, o olhar desconfiado da plateia ou aquele silêncio de três segundos que antecede uma gargalhada ou um fracasso absoluto.
No palco, não existe deepfake. Não dá pra pedir edição. É carne, é voz, é suor — às vezes, literalmente. É o humano escancarado no seu limite mais vulnerável: o de tentar ser amado,
A pergunta que fica é: virar meme é um sinal de imortalidade ou de obsolescência?
O episódio tá no ar. Ouça. E ria — antes que algum robô ria por você.