O Brasil responde sozinho por 98,5% de todas as ações judiciais contra companhias aéreas no mundo. Na União Europeia são cerca de 50 mil processos por ano. Nos Estados Unidos, 10 mil. No Brasil são 500 mil por ano. Os números são da Comissão de Direito Aeronáutico, Espacial e Aeroportuário da Ordem dos dvogados do Rio de Janeiro (OAB-RJ).
Em encontro, promovido no dia 23 de maio pela Comissão de Direito Aeronáutico, Espacial e Aeroportuário da OAB-RJ, os participantes concluiram que o problema não está na qualidade do serviço prestado, mas na própria cultura jurídica brasileira.
Segundo Julia Lins, CLO de Contencioso Cível do Albuquerque Melo Advogados, escritório que atua na defesa de empresas aéreas nacionais e internacionais, “isso não acontece em nenhuma outra indústria, nem em nenhum outro país”.
Normas específicas
A advogada Julia Lins foi categórica ao afirmar que parte da crise é causada pela resistência dos tribunais brasileiros em aplicar legislações internacionais, como a Convenção de Montreal, e normas específicas da própria ANAC que regulamentam o setor, preferindo se apoiar exclusivamente no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A presidente da OAB Barra da Tijuca, Renata Mansur,afirma que o Brasil precisa olhar para modelos adotados no exterior. Ela citou como exemplo Buenos Aires, onde a legislação obriga consumidores e empresas a passarem primeiro por mediação ou arbitragem, antes de levar o conflito ao Judiciário.
Custos com processos judiciais
O presidente da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB/RJ, Antonio José e Silva, que também é piloto, fez um alerta contundente: os custos com processos judiciais já estão embutidos no preço da passagem aérea no Brasil. Segundo ele, cerca de 1% do valor do bilhete é reservado para cobrir despesas com indenizações, acordos e condenações.
“Isso cria um ciclo perverso. Parte desse dinheiro, que poderia ir para a manutenção de aeronaves, modernização de aeroportos ou treinamento de pessoal, vai para bancar processos que, em muitos casos, poderiam ser resolvidos de forma mais simples”, afirmou.
Outro ponto crítico levantado no evento foi o mercado paralelo de milhas aéreas, tema abordado por Rafael Verdant, também do Albuquerque Melo Advogados. Segundo ele, as milhas não foram concebidas como moeda de troca, mas como benefícios condicionados a regras específicas de cada programa de fidelidade.
“A falta de uma regulamentação clara abriu espaço para um mercado informal de compra e venda de milhas, o que frequentemente gera frustrações e litígios, tanto por parte dos consumidores quanto das companhias”, explicou Verdant.
Ele defende que as próprias empresas possam estabelecer regras claras e transparentes, respeitando o direito do consumidor, mas dentro dos termos e condições dos programas de fidelidade. “O setor só será sustentável se houver segurança jurídica sobre o que são e como podem ser usadas as milhas”, completou.
Os especialistas apontaram 3 alternativas para reduzir os processos
Educação dos consumidores sobre seus direitos e deveres;
Capacitação do Judiciário para aplicar corretamente as convenções internacionais e legislações específicas do setor aéreo;
Revisão do marco legal brasileiro, que permita mais uso de arbitragem e soluções extrajudiciais.