Tesla
As ações da Tesla tiveram uma expressiva desvalorização ao longo deste primeiro quadrimestre de 2025. Para comparação, os papéis da empresa tiveram sua máxima histórica no final de 2024, ao atingir o preço de 488,54 dólares no dia 17 de dezembro, com a euforia dos mercados com a vitória de Donald Trump nos EUA, notoriamente ligado a Elon Musk, personagem central durante a campanha. As ações registraram queda de mais de 47% no acumulado do ano, atingindo o valor de 250 dólares. O que explica tamanha reversão nas expectativas em tão pouco tempo?
1) Grandes expectativas e os piores resultados desde 2022
A Tesla sempre foi negociada com um múltiplo bem acima do mercado, até mesmo das big techs. O Índice Preço/Lucro é um dos mais utilizados para estimar o preço de uma empresa e denota otimismo ou pessimismo do mercado em relação a uma determinada empresa. A Tesla vinha sendo negociada com um múltiplo de 117 enquanto a Apple era negociada com um múltiplo de 39. A média desse coeficiente para montadoras de automóveis é de 7,32. A Tesla sempre foi tratada muito mais como uma companhia de tecnologia do que uma montadora. E com extremo otimismo em relação ao seu futuro, até mesmo dentro do segmento de tecnologia.
O problema é que os resultados recentes não suportam esse otimismo. No mais recente balanço de resultados divulgado, o lucro líquido teve queda de 71%. A receita também caiu 9%. Durante 2024, a empresa enfrentou dificuldades para fabricar e entregar seus carros no volume estimado anteriormente.
2) Um oceano que já não é mais azul
A Tesla foi durante muito tempo praticamente um sinônimo de carro elétrico e vanguarda tecnológica. Foi por mérito a primeira grande marca a ser respeitada neste segmento e praticamente criou o mercado enquanto as montadoras tradicionais ainda se recuperavam da crise global de 2008. Justamente por não ter um legado para desconstruir, pôde projetar suas fábricas a partir do zero e sempre teve uma mentalidade focada em carros 100% elétricos e com a meta de desenvolver veículos autônomos. Por anos a empresa parecia disputar uma categoria completamente diferente. Em 2011, Musk deu uma entrevista para a Bloomberg onde foi perguntado sobre potenciais novos entrantes neste mercado, especialmente, sobre o surgimento de uma nova fabricante chinesa chamada BYD. Ele riu e tirou sarro, questionando a jornalista “Você chegou a ver o carro deles?”. Em 2024, a BYD superou a Tesla pela primeira vez em faturamento. No último ano, a montadora chinesa vendeu 4,27 milhões de carros contra 1,79 milhão da Tesla. Obviamente, o espectro de produtos da BYD é muito mais amplo e suas margens são menores. De toda forma é evidente que o sarcasmo de Musk de 2011 não previa esse futuro. Além disso, as tradicionais montadoras também entraram no segmento de elétricos e curiosamente parecem ter uma vantagem competitiva atualmente: muitos consumidores preferem carros híbridos em relação aos 100% elétricos, segmento esse que a Tesla não participa atualmente.
Havia também muita expectativa em relação ao domínio tecnológico da empresa. No passado, Musk afirmou que o principal diferencial da Tesla no longo prazo seriam os carros autônomos, os chamados robotaxis, que permitiram que a empresa passasse a oferecer corridas como o Uber, mas sem motoristas. Hoje, a Tesla não possui licença para operar esse tipo de serviço, enquanto concorrentes como a Waymo avançaram tecnologicamente e operam em cidades como Austin, Phoenix e São Francisco.
3) Musk no governo
Musk não apenas se aproximou de Donald Trump como foi figura essencial em sua eleição, seja com vultosos aportes em sua campanha como também com sua influência em sua rede social, o “X”. Depois da eleição passou a efetivamente fazer parte do governo liderando o DOGE (Departamento de Eficiência Governamental) com foco em reduzir drasticamente o tamanho do estado americano. O mercado questionou o foco de Musk em sua própria empresa com mais essa incumbência que já dividia seu tempo entre múltiplas frentes como a SpaceX, Starlink, Neuralink, X e outras. Não por acaso, nas últimas semanas o bilionário comunicou que deverá reduzir sua dedicação ao departamento e voltar a focar em seus empreendimentos.
4) Fanbase em chamas, literalmente
A partir do momento em que Musk decide se alinhar e se aproximar de Trump, uma situação inusitada começa a se desenrolar nos EUA. Trump é notório apoiador dos combustíveis fósseis e tirou os EUA dos principais acordos climáticos do mundo. Quem compra um Tesla busca os modelos da marca não apenas pelo automóvel em si, mas também pela redução das emissões e pelo sentimento de vanguardismo. O nó narrativo passou a penalizar a marca, com donos trocando o logo da Tesla, carros sendo vandalizados e queimados em diversas cidades e inúmeros proprietários buscando novas alternativas no mercado. O quanto desse impacto pode ser de fato revertido no médio e longo prazo?
5) O impacto do tarifaço
A política de nacionalização da indústria, tarifas elevadas e a guerra comercial adotada por Trump impactam a Tesla frontalmente de diversas formas. Primeiro pelo aumento dos custos de produção, por exemplo. A China lidera a fabricação global de baterias, elemento básico para a construção de carros elétricos. Sem contar os inúmeros componentes eletrônicos que hoje compõem um elevado percentual de qualquer automóvel. O aumento nos preços já causa impactos diretos nos EUA. Recentemente, a Volvo anunciou a demissão de até 800 pessoas dada a queda na demanda causada pelo aumento dos preços. Para além do mercado americano, a Tesla enfrentará desafios adicionais para exportar seus carros para outras localidades como a Europa. Enquanto isso, as fabricantes chinesas já não têm acesso ao mercado americano e comercializam seus carros em regiões com menor renda per capita, como o Brasil. Exatamente o maior valor agregado e preço dificultam uma rápida expansão da Tesla nesses mercados, já que os carros que aqui chegam através de importação direta competem no segmento de luxo (menor volume), ao contrário dos EUA onde os carros estão posicionados em um segmento intermediário.
A Tesla enfrenta aquilo que se chama de “tempestade perfeita” onde múltiplos fatores importantes e que podem causar danos acontecem ao mesmo tempo. Musk precisará de muito foco para endereçar esses 5 elementos e dar a volta nos próximos trimestres.